Parecer técnico – Segurança Social, IRS e rendimentos em espécie

Determinada empresa pretende gratificar todos os seus colaboradores (com diferentes montantes) e tem colocado a hipótese do “cartão presente” (em virtude da pouca percepção por parte dos trabalhadores em relação à retenção na fonte).

Quais as implicações fiscais e a nível da Segurança Social (em cinco anos nunca receberam um prémio)?

 

Parecer técnico

Na situação em análise estamos perante uma entidade que pretende atribuir prémios e/ou outros incentivos aos seus trabalhadores em cartões pré-pagos aos seus funcionários, pelo que se questiona sobre o seu enquadramento fiscal e em sede de Segurança Social.

Nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS (CIRS), constituem rendimento do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.

Face a esta disposição, esses vales ou títulos de compensação não pecuniários concedidos aos funcionários são considerados como rendimentos de trabalho dependente, com tributação de acordo com as regras da categoria A de IRS, ainda que sejam atribuídos como prémios.

As ofertas em espécie e em dinheiro, nomeadamente através de vales/cheques/cartões de oferta, concedidas aos funcionários, constituem uma vantagem económica para os trabalhadores, decorrente do facto de serem trabalhadores daquela empresa o que se irá, certamente, refletir num bem-estar destes trabalhadores o que se irá também refletir no seu desempenho laboral.

Os rendimentos em espécie, incluindo os montantes atribuídos em vales e outros títulos de compensação não pecuniários, estão excecionados da obrigação de retenção na fonte, conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRS, sendo incluídos como rendimentos tributados na declaração anual de rendimentos a entregar ao trabalhador e na Declaração Mensal de Remunerações, com o código de rendimento (A).

Apesar deste tipo de rendimentos em espécie estar dispensado de retenção na fonte, não quer dizer que não sejam sujeitos a tributação em sede de IRS na esfera do trabalhador. Na realidade, esses rendimentos irão ser considerados como rendimentos brutos da categoria A de IRS na esfera do trabalhador, a serem englobados para efeitos do cálculo do IRS.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS, a entidade patronal está obrigada a entregar ao trabalhador, até 20 de janeiro de cada ano, documento comprovativo das importâncias devidas no ano anterior, incluindo os rendimentos em espécie que lhes hajam sido atribuídos, do imposto retido na fonte e das deduções a que eventualmente haja lugar.

Assim, poder-se-á considerar que os cartões pré-pagos para uso na esfera pessoal dos funcionários são considerados como rendimentos do trabalho dependente. Constituindo as referidas regalias rendimentos do trabalho dependente, devem as mesmas constar do recibo de vencimento.

A declaração deste tipo de rendimentos é feita anualmente na declaração de rendimentos modelo 3 a entregar pelo trabalhador, com os restantes rendimentos da categoria A, devendo a entidade, nos termos do artigo 119.º, fazer constar tais rendimentos, quer da declaração a entregar ao titular dos rendimentos quer na DMR a entregar à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Estes rendimentos em espécie (atribuídos através de cartões pré-pagos, por exemplo), sendo tributados em IRS na categoria A na esfera dos trabalhadores, serão gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC, para efeitos do apuramento do lucro tributável da empresa, pois serão considerados como remunerações, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC (CIRC).

Sem prejuízo do nosso entendimento, referimos que por exemplo a oferta de um jantar de Natal para os colaboradores poderá ser considerado como uso social, tal como as festas de Natal, não sendo considerados como rendimentos da categoria A, sendo considerados como gasto fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRC.

Transcrevemos a informação vinculativa 2321/2017, sancionado por despacho da subdiretora-geral, de 28 de julho de 2017:
«(…)
São enquadráveis no n.º 1 do artigo 43.º do CIRC, as realizações de utilidade social referidas expressamente na norma, efetuadas em benefício dos trabalhadores ou reformados da empresa e respetivos familiares, ou outras, que como tal sejam reconhecidas pela AT, desde que tenham caráter geral e não revistam a natureza de remuneração, ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

Os gastos incorridos pela empresa com almoços convívio entre os trabalhadores, incluindo o jantar de Natal, e com a colocação à disposição dos mesmos de água, café, snacks, sumos e fruta podem ser considerados realizações de utilidade social e, como tal, ser dedutíveis fiscalmente, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do CIRC, uma vez que: revestem caráter geral (ou seja, são extensivos a todos os trabalhadores da empresa, não sendo atribuídos apenas a um grupo restrito); visam o bem-estar dos trabalhadores; e, ainda que pudessem revestir a natureza de rendimentos do trabalho dependente, seriam de difícil individualização relativamente a cada um dos trabalhadores.(…)»

De referir que a oferta regular de cartões presente aos colaboradores não poderá ser considera como «usos sociais» da empresa.

Importa ainda referir que não existe, em sede de IRC ou de IRS, qualquer limitação ao valor das ofertas para efeitos do seu reconhecimento fiscal como custos do exercício, o qual depende, conforme antes referimos, da comprovação do respetivo caráter de indispensabilidade.

Em termos contabilísticos todos os encargos com remunerações do trabalho dependente, nomeadamente a atribuição de “cartões presente” a trabalhadores, deverão ser contabilizadas numa subconta da conta 638 – Outros gastos com o pessoal.

No registo de tais encargos deve respeitar-se o regime do acréscimo ou da especialização ou periodização económica, conforme refere o parágrafo 22 da estrutura conceptual. Se tais cartões forem adquiridos por quantidade ou momento diferente da sua atribuição ao trabalhador, podem ser registados na conta 281 – Diferimentos – Gastos a reconhecer, até à sua atribuição efetiva.

Em termos de IVA, o tratamento é distinto em função do destino a dar ao voucher. O Oficio-Circulado n.º 30 208, de 4 de janeiro de 2019, define e distingue os diferentes tipos de vale, no capítulo II:
– Vales de finalidade única (VFU) e,
– Vales de finalidade múltipla (VFM).

Primeira hipótese – o cartão oferta é considerada um instrumento que se traduz num pré-pagamento em que a taxa de imposto e o local de fornecimento /realização estão identificados, caso em que foi liquidado IVA aquando da sua aquisição.

Segunda hipótese – O cartão oferta permite ao seu detentor receber bens ou serviços no valor do cheque ou usando o cartão como meio de pagamento, mas nem os bens ou serviços se encontram identificados, nem a taxa de IVA se encontra determinada à data de aquisição de cheques/cartão, pelo que não pode ser liquidado IVA.

No caso referido na primeira hipótese, a entidade suporta IVA mas não o poderá deduzir uma vez que, destinando-se tais cheques/cartões a consumos particulares dos seus trabalhadores e clientes será difícil que se consiga provar que é IVA suportado para a realização das operações previstas no artigo 20.º do CIVA (operações praticadas pelo sujeito passivo que conferem direito à dedução).

No caso mencionado na segunda hipótese não há IVA liquidado na aquisição do cheque, pelo que não se coloca o problema da sua dedução. Pelos mesmos motivos atrás indicados (quanto à não incidência de IVA na sua aquisição) também não há liquidação deste imposto pela sua entrega aos trabalhadores.

Assim, se os cartões-oferta forem considerados vales de finalidade múltipla, a aquisição e correspondente atribuição aos clientes/trabalhadores não terá qualquer impacto na esfera da sociedade, uma vez que, nos termos do n.º 14 do artigo 7.º do CIVA, o facto gerador do imposto ocorrerá apenas na utilização do vale, sem prejuízo do disposto no n.º 15 do mesmo artigo 7.º.

Em sede de Segurança Social, de acordo com o artigo 46.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, Lei n.º 110/2009, para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.

O n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo (CC) determina quais as prestações do trabalho dependente estão sujeitas a contribuições para a Segurança Social.
Assim, integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações: «a) A remuneração base, em dinheiro ou em espécie; (…)».

Caso esses cheques oferta, tenham um caráter de regularidade nos termos do artigo 47.º do Código Contributivo, estão sujeitos a contribuições para a Segurança Social.
De referir que, o artigo 47.º do Código Contributivo, define o conceito de regularidade: «Considera-se que uma prestação reveste caráter de regularidade quando constitui direito do trabalhador, por se encontrar preestabelecida segundo critérios objetivos e gerais, ainda que condicionais, para que este possa contar com o seu recebimento e a sua concessão tenha lugar com uma frequência igual ou inferior a cinco anos.»

 

Fonte: Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC, a 02 de Janeiro de 2024.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Área de Cliente