Os adiantamentos e o IVA

Os adiantamentos e o IVA

Os adiantamentos e o IVA

A existência de um adiantamento por conta de uma futura venda ou prestação de serviços possui, em sede de IVA, um enquadramento autónomo da operação a realizar, cujas regras importa ter presente para evitar futuros constrangimentos.

Acontece que a legislação nem sempre contempla o procedimento a adotar nos adiantamentos por conta de operações que se encontram abrangidas por normas de isenção, de não sujeição, de inversão ou regimes especiais. Neste artigo pretendemos sintetizar o que a doutrina nos diz acerca destas situações.

Exigibilidade e prazo para emissão de fatura

As normas que se referem à exigibilidade e determinação do momento em que o imposto é devido definem o momento em que a liquidação do IVA deve ocorrer num adiantamento: no momento do recebimento.

Os agentes económicos, perante o recebimento adiantado de uma quantia para a realização de uma operação futura devem, de imediato, (com o recebimento dessa quantia) proceder à emissão de fatura relativa ao adiantamento, nesta procedendo à liquidação do imposto.

Destacamos que, no adiantamento, não existe o prazo de cinco dias úteis para emissão da fatura, ao contrário do que se verifica, por exemplo, com a venda de um bem.

Regularização do adiantamento

Historicamente, aquando da emissão da fatura final, os agentes económicos têm vindo a emitir uma nota de crédito para anular o adiantamento previamente realizado. No entanto, este não é o procedimento que resulta do Código do IVA.

No âmbito da legislação em sede de IVA uma nota de crédito, enquanto documento retificativo, apenas deve ser emitida quando ocorre uma regularização/correção à fatura anteriormente emitida. Ora, no caso do adiantamento, não se trata de uma regularização, mas sim, de duas operações independentes: uma é o recebimento antecipado, a outra é a operação final. Cada uma destas operações deve ser suportada pela respetiva fatura, apenas devendo ser emitida nota de crédito (ou nota de débito), caso alguma delas sofra qualquer tipo de correção.

O facto de, aquando da operação final ser descontado (em termos financeiros) o valor do adiantamento, não se configura como regularização/correção. Mas sim de um acerto de contas (pagamento/recebimento). Neste caso, aquando da emissão da fatura final deve, nesta, ser descontado o valor do adiantamento já realizado, procedendo-se à liquidação do IVA pela diferença. Este é o procedimento que resulta do Código do IVA e doutrina relacionada.

Constrangimentos informáticos

Acontece que muitos agentes económicos utilizam softwares de faturação que não permitem a existência de linhas a negativo numa fatura. Tal procedimento resulta da interpretação de normas relativas à certificação dos programas de faturação, que eventualmente podem não estar totalmente alinhadas com o Código do IVA.

Caso os agentes económicos se vejam obrigados à emissão de nota de crédito para efeitos de regularização de um adiantamento, então, devem ter presente que para regularizar o IVA anteriormente liquidado (com o adiantamento) devem obedecer à disciplina prevista no Código do IVA para efeitos de regularização do imposto, nomeadamente, possuir prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução (regularização a favor do sujeito passivo).

Taxa

A taxa aplicável é a que vigora quando se verifica a exigibilidade.

Assim, no caso de se verificar alteração na taxa do imposto após o adiantamento, mas antes de se verificar a conclusão da transmissão do bem ou da prestação do serviço, a nova taxa apenas será aplicável na liquidação do imposto que ocorra na fatura final que titula a operação, pela diferença entre o valor tributável da mesma e o montante já recebido a título de adiantamento.

Idêntico raciocínio aquando de uma possível passagem para um regime de isenção. Por exemplo, a transição para (ou de) o regime de isenção excecional e temporário previsto para a isenção do IVA no cabaz alimentar.

As isenções

As transmissões intracomunitárias de bens que reúnam as condições previstas para o efeito são operações isentas de IVA. O RJTI prevê a situação dos adiantamentos por conta de transações intracomunitárias, ao considerar que, nas aquisições intracomunitárias de bens, o IVA não é exigível na fatura que respeitar a pagamentos parciais que precedam o momento em que os bens são colocados à disposição do adquirente.

O RJTI determina, inclusive, que a obrigação de emitir fatura não é aplicável aos pagamentos efetuados ao sujeito passivo realizados anteriormente à data das transmissões intracomunitárias de bens isentas de IVA.

Resumidamente, diremos que os adiantamentos não têm qualquer relevância em sede de IVÀ nas transações intracomunitárias de bens, não devem sequer constar da declaração periódica do IVA, procedimentos que estão objetivamente previstos no RITI.

No entanto, existem outras transações em sede de IVA que podem ser isentas de imposto, por exemplo, as exportações, ou as vendas a exportadores, sem que a legislação determine qual o enquadramento dos adiantamentos. Importa, nestes casos, averiguar se a doutrina já emitida nos traz algumas orientações.

Através de despacho vinculativo foi clarificado que os adiantamentos que têm por base operações abrangidas pela isenção prevista no artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 198/90, não se encontram sujeitos à regra geral da exigibilidade. Referindo-se inclusivamente que «(…) não faz sentido tributar-se os adiantamentos que têm por base transmissões isentas, sob pena de se desvirtuar toda a filosofia do imposto, ou seja, a sua neutralidade em relação ao comércio internacional que é conseguida através da tributação no país do destino, aquele em que os bens vão ser consumidos (…).»

No que se refere às exportações, embora se desconheça a existência de doutrina, admitimos ser aplicável o mesmo entendimento.

Não sujeição e regra de inversão do sujeito passivo

Acerca de adiantamentos por conta de operações abrangidas pela não sujeição a IVA prevista na alínea c) do n.° 6 do artigo 16.° do Código do IVA, a doutrina também já esclareceu que os mesmos não são objeto de tributação.

Indicamos alguns dos regimes em que se aplica a inversão do sujeito passivo: transmissões de bens da produção silvícola, desperdícios, resíduos e sucatas recicláveis, prestações de serviços de construção civil

Todos estes regimes foram objeto de clarificações através de oficios-circulados, contudo apenas um deles se refere quanto aos adiantamentos.

Acerca da inversão do sujeito passivo nas prestações de serviços de construção civil foi determinado que o adquirente deve «(…) no caso de adiantamentos, proceder, desde logo, à autoliquidação do IVA devido pelo montante pago (…).»

Parece-nos pacífico que este raciocínio seja aplicável nos diversos regimes de inversão com características semelhantes.

Os regimes especiais

Existem diversos regimes especiais em sede de IVA, pelo que será curioso verificar o que cada um deles prevê para efeitos de adiantamentos.

No âmbito do regime especial das agências de viagens e organizadores de circuitos turísticos foi clarificado que é entendimento da Direção de Serviços do IVA que «(…) os adiantamentos que se destinem a remunerar serviços cuja tributação seja efetuada nos termos do Decreto-Lei n.° 221/85, não são tributados (…).»

O regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores, previsto no artigo 69.° e seguintes do Código do IVA, não contem qualquer referência a adiantamentos.

O regime especial de tributação dos bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção e antiguidades, previsto no Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de outubro também nada refere.

Estes dois, configurando genericamente um regime da margem, à semelhança do regime

das agências de viagens, poderão ser objeto do mesmo entendimento relativamente a adiantamentos. Mas, na ausência de informação expressa, fica sempre a dúvida e a insegurança no modo de proceder.

O regime de IVA de caixa é totalmente esclarecedor nesta matéria, prevendo expressamente que o imposto é exigível quando o recebimento total ou parcial do preço preceda o momento da realização das operações tributáveis.

O regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, previsto no anexo ao Decreto-Lei n.° 21/2007, de 29 de janeiro, prevê objetivamente que «(…) no período de imposto em que, nos termos do n.° 1 do artigo 5.°, tem lugar a renúncia à isenção, deve o sujeito passivo proceder à liquidação do IVA, incluindo o respeitante aos adiantamentos do preço a que tenha havido lugar (…)», prevendo a doutrina que«(.. ,) enquanto adquirente de um imóvel com renúncia à isenção (primeira transmissão) deve proceder à liquidação do IVA no período do imposto em que tenha ocorrido a renúncia, incluindo o respeitante aos adiantamentos do preço a que tenha havido lugar. Está ainda obrigada a evidenciar, separadamente, na sua contabilidade esta operação, valor tributável e o montante do imposto liquidado (…).»

Conclusão

Ao longo dos anos tem sido emitida doutrina que nos permite suportar o enquadramento dos adiantamentos em algumas operações não abrangidas pelo regime regra de liquidação do IVA. Não obstante, subsiste alguma insegurança nestes procedimentos, uma vez que o Código do IVA apenas prevê a regra de liquidação do imposto aquando dos adiantamentos, não acautelando os demais casos.

Fonte: Artigo elaborado por Elsa Marvanejo Da Costa, Consultora da Ordem dos Contabilistas, a 22 de Dezembro de 2023

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